Mais uma vez, disponibilizamos um texto referente aos estudos na Universidade Federal de Juiz de Fora, no qual tive a oportunidade de ler e discutir um importante tema da formação da sociedade brasileira. Convido para uma interessante leitura e relatório acerca do tema da guerra de Canudos e o cenário político e social do Brasil no final do século XIX e a busca da identidade "tupiniquim".
Imagem ilustrativa |
A partir do livro de Euclides da
Cunha, "Os sertões" que tem como cenário central o povoado de
Canudos, levantado e surgido no sertão baiano, no final do século XIX, tem a
possibilidade da discussão da nacionalidade brasileira daquela época ou no caso
de sua construção em virtude de que os textos do autor eram enviados aos
jornais, em formatos de matérias e consumidas pela população das grandes
cidades brasileiras.
Desta forma, pode-se perceber que
talvez tenha sido um dos primeiros momentos em que se discutiu nacionalidade
brasileira com informação ao mesmo tempo, ou seja, distribuída em todos os
locais. Pensando mais sobre o texto em si e como ele pode impactar a questão da
nacionalidade, aplica a ideia de “dois brasis”, brasis esses que tem uma
diferença não na geografia, clima ou qualquer aspecto material aparente, mas,
uma grande diferença na temporalidade em que aquelas pessoas vivem ou
sobrevivem, o tempo da simultaneidade (tempo do jornal que apenas corre),
contudo era o tempo do litoral, de um Brasil que acabara de declarar liberdade
aos escravos e proclamar a república.
Tempo este que tem o Exército como
grande personagem pela atuação nos fatos apoiando os abolicionistas, exibindo o
título de vencedores da guerra do Paraguai e ainda na liderança no movimento de
tornar o Brasil numa República, extinguindo a Monarquia. Contudo, os militares
eram respeitados e mostravam condições de governar e determinar o caminho para
a formação de uma nova identidade do “povo brasileiro”.
Nesse mesmo tempo do litoral que a
elite brasileira reconhecia o mestiço (fruto de miscigenação entre raças) como
o representante fiel do perfil “tupiniquim”, mas que mesmo os líderes desta
pátria, em sua maioria descendentes de brancos (europeus), classificando o
mestiço de sub-raça (mestiços não tem habilidades intelectuais e seria incapaz
de desenvolver grandes feitos).
Culturalmente, seguia de maneira que
a instrução, a “bagagem cultural” era o principal atenuante para classificar
quais pessoas eram ou não mestiços. Exemplo disso, na mesma época, Machado de
Assis.
Mulato e escritor de respeito em toda
a sociedade. O fato da cor da pele de Machado de Assis não o classificou como
mestiço, pois sua capacidade intelectual que era levada em consideração. O
Brasil mudava e começava a querer trilhar com os próprios passos, com liderança
de brasileiros, mas que ainda estavam intimamente ligados às ideologias e
filosofias européias.
Foi com esse cenário que Euclides da
Cunha e outros jornalistas chegam a Canudos, que pela primeira vez, o país
testemunhava uma cobertura diária de um acontecimento estritamente nacional,
para o qual foi dada tamanha importância que jornalistas de diversas instituições
foram encaminhados como correspondentes, e os jornais que assim não o fizeram,
quase cotidianamente transcreviam reportagens sobre o evento.
A imprensa era utilizada em todo o
país como antecedente das ações do exército, e a República recém inaugurada,
necessitando do respaldo dos brasileiros, dizia fazer tudo em nome da opinião
pública.
Foram quatro batalhas até a derrota de Canudos. Foi o primeiro evento da história brasileira acompanhado por correspondentes da imprensa (Imagem: internet) |
Assim, quando as notícias de Canudos
começaram a se espalhar pelo país, mesmo sem um conhecimento exato da região
onde se localizava o conflito, as pessoas passaram a acompanhar os ataques, por
meio da imprensa. Diante de tamanha mobilização, e da pobre estrutura para a
circulação e a averiguação das notícias, não é de se estranhar o registro de
muitos boatos que circulavam simulando a narrativa de fatos reais.
A partir daí, depararam com o tempo
do sertão. Por lá, os canudenses que representavam o sertão não eram desse tempo
e sim de um tempo religioso baseado principalmente nas ideias do líder do
movimento Antonio Conselheiro que pregava o juízo final, que segundo ele
chegaria em um ano aproximadamente, então, eles deveriam apenas buscar a
salvação.
Era uma comunidade sem uma
identificação, sertanejos, jagunços, enfim nordestinos que acreditavam e
confiavam em Conselheiro e, talvez a guerra de canudos tenha sido visto por
aquelas pessoas, cerca de 26 mil moradores como a expressão inicial do fim dos tempos.
Estimava uma população com mais de 25 mil habitantes em Canudos (Imagem: internet) |
Portanto, ao analisar esses “dois
brasis” argumenta-se de que o Brasil apesar de ter muitas semelhanças tinha uma
diferença tão significativa que poderia dividi-lo entre litorâneos e
sertanejos. Lembrando que Euclides viveu um momento onde as teorias racialistas
estavam em alta no mundo e o mesmo era adepto a tais teorias que circundavam o
seu mundo.
O autor acreditava que as raças
mestiças eram ruins e que as raças determinavam a cultura, mas, em seu texto
ele deixa transparecer que o sertanejo que é uma dessas misturas tornou-se com
o tempo uma raça e mais do que isso, uma raça forte pelo poder de adaptação que
eles tiveram principalmente a geografia e ao clima inóspito, ou seja, essa
certa admiração dele só demonstra as incertezas as quais o mesmo não consegue
resolver com relação as questões de raça e cultura, pelo fato de seu arcabouço
teórico também não ser capaz de resolver tais questões.
A partir disso e dos jornais,
provavelmente, a sociedade brasileira percebeu que tínhamos um estado que unia
todos como o Brasil mas que ainda faltavam muitos elementos para tronar uma
nação.
Uma comunidade imaginada:
Pode-se declarar também, com base no
texto de Benedict Anderson, que o sujeito ao ter acesso ao jornal de um
determinado dia, tem no tempo um elemento catalisador para conceber uma
comunidade imaginada com o loco social.
Nesse viés, pode-se citar, para maior
entendimento, uma cena do filme Rede de Intrigas (Network, de Sidney Lumet,
1976), em que o personagem Howard Beale, um jornalista decadente colocado em um
novo programa por conseguir audiência ao se rebelar na TV ao vivo, começa a
chamar cada homem e mulher que o assiste a se libertar do torpor e gritar
contra a violência, a inflação, o desemprego e o medo da guerra nuclear.
Beale, em transmissão direta, pede
que os telespectadores coloquem a cabeça na janela e gritem: “Eu estou louco
como o diabo e não vou mais tolerar isso”. Por todo o país, as pessoas
respondem ao chamado do âncora desvairado, gritando em suas janelas e sacadas e
espalhando as palavras do “profeta louco”.
Nesta cena, é cristalizado o conceito
empregado por Benedict Anderson. Neste caso, o veículo de informação evolui do
jornal para a plataforma televisiva, reafirmando ao telespectador as suas
raízes visíveis do mundo imaginado na vida cotidiana, como também o reassegura
dos seus anseios e revoltas mediante o efeito de realidade intensificado na TV
direta ao sincronizar.
O livro "Os Sertões" é hermético, mas prazeroso de se ler, porque por meio de sua leitura, compreendemos o Brasil atual. O que se passou anos atrás, como aquela comunidade foi interpretada de forma errada, e como a "corrupção" existe desde os primórdios dos tempos.
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